Lá em 2017, circulou pelas redes sociais a notícia que a Globo pretendia fazer uma novela baseada no livro “Orgulho e preconceito”.
Vi a comoção que ocorreu em grupos de Facebook e fiz um post aqui neste blog dando minha opinião sobre essa notícia.
No final das contas eu acabei não assistindo "Orgulho e paixão" naquela época, o máximo foi ter visto um dos capítulos da segunda semana.
Agora em 2024 assinamos a Globoplay e uma das novelas que senti obrigação e curiosidade de conferir foi “Orgulho e paixão “.
Antes mesmo de dar continuidade gostaria de falar sobre minhas impressões sem começar a assistir.
Eu já sabia que a novela havia misturado várias personagens do universo da Jane Austen, algo que não sabia quando escrevi o post que mencionei acima.
Leia também: Falando sobre Jane Austen - uma pequena biografia comentada sobre a autora
Este para mim é um grande ponto positivo para a novela, pensei até que havia escrito no meu artigo que essa mistura seria interessante, mas relendo o artigo percebi que descartei esse comentário.
Na época eu sabia que “Essas mulheres “ da Record havia reunido várias heroínas dos romances urbanos de José Alencar.
Agora também sei que as novelas “Terras do sem fim “ e “Sinhazinha Flô“ da Rede Globo também havia feito o mesmo, uma representando a chamada “saga do cacau” de Jorge Amado e a outra outros romances de José Alencar (A viuvinha, Til e Sertanejo) respectivamente.
Outro elogio que gostaria de fazer é da escolha do figurino da novela, que foi sugestão do autor , de usar uma cor predominante no figurino das protagonistas.
Comparações entre a novela e Orgulho e Preconceito
Além de outras obras da Jane Austen
A obra é livremente inspirada na obra de Jane Austen, então apesar de trazer personagens que tem alguma características e fazer referências a obra da autora britânica, não tem muito comprometimento com o enredo e plots criados pela autora em suas obras.
Até que é usado bastante do material da trama “Orgulho e preconceito” na novela, e um pouco do plot de Marianne de “Razão e sensibilidade“ , com devidos ajustes, nas primeiras semanas.
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A Família Benedito, os Bennet brazuca |
Alguns personagen foram substituídos, vamos começar pelas irmãs Benedito.
É comum em algumas releituras de “Orgulho e preconceito “ ignorarem a existência de Mary e Kitty. Em “O diário secreto de Lizzie Bennet“ por exemplo, Mary é prima das irmãs Bennet e Kitty foi transformada no gatinho de estimação de Lidya.
Em “Orgulho e paixão" elas são descartadas e substituídas por outra duas heroinas de Jane Austen, Marianne Dashwood de “Razão e sensibilidade” e Catherine Moorland de “A abadia de Northanger “ .Na novela as duas ganharam o nome de Mariana e Cecília ( foi decidido alterar o nome da personagem que deveria ser Catarina para não coincidir com o da vilã das novelas das faixa das 19h).
Outra heroína de Jane Austen que substitui uma coadjuvante de “Orgulho e preconceito “ foi Emma. Em"Orgulho e paixão" ela possui o título de melhor amiga de Elizabeta que em "Orgulho e preconceito" pertence a Charlotte Lucas. O título de nobreza que o sr.Lucas havia recebido também foi emprestado ao avô de Ema que em “Orgulho e paixão" tem o título de Barão do Ouro Verde.
Para completar temos Fanny de “Mansfield Park “ e Susan de “Lady Susan “ representadas no papel de Fanny e Susana, ambas ganhando um tom vilanesco.
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Alessandra Negrini e Grace Giannoukas dão vida a divertida dupla de vigarista Susana e Petúlia |
Em "Lady Susan" , Susan é uma mulher maquiavélica que ao ficar viúva se abriga mora, traço que a sua versão brasileira herdou, mas os objetivos foram trocados, a personagem de certa forma substitui a fútil Caroline Bingley de "Orgulho e preconceito".
Ah sim, Charles Bingley que aqui atende pela alcunha de Camilo Bittencourt, em “Orgulho e paixão “ perdeu as duas irmãs de “Orgulho e preconceito”, mas ganhou uma mãe com um passado trágico. Mas volto a ele mais tarde…
Agora Fanny de “Mansfield Park” tem uma personalidade diferente da de “Orgulho e paixão “.Enquanto a heroína de Austen é uma menina submissa, a de Marcos Bernstein é mais vingativa e amargaruda, o que faz ela ser a que mais se diferiu no quesito personalidade da criação original. Ela até tem um arco de redenção, mas mesmo assim não possui o mesmo brilho que as outras heroinas de Austen retratadas na novela.
Enquanto a personalidade da Fanny é a que mais se difere da original, Jane é a que mais se aproxima da personagem de “ Orgulho e preconceito". Ela compartilha a doçura e discrição da irmã mais velha dos Bennet.
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Pamela Tomé e Mauricio Destri como Jane e Camilo, achei a escolha de ambos perfeita para seus personagens. |
O romance entre ela e Camilo (falei que iria falar dele novamente) até a segunda semana também seguiu o texto de “Orgulho e preconceito “. Ela conheceu ele no baile, pegou a famigerada chuva , ficou doente na casa dos Bittencourt, teve o baile organizado por Camilo no qual os Benedito/ Bennet se comportaram de forma inadequada … e a partir daí a versão britânica e brasileira ganharam novos rumos. Em “Orgulho e paixão" o casal é menos passivo com o rumo de suas vidas do que no texto de “Orgulho e preconceito “, o que é um ponto positivo.
Eu não gosto muito do final de Marianne em “Razão e sensibilidade" . O casal Mariane Dashwood e Coronel Brandon é tão sem graça, entendo a escolha de Jane Austen e o que ela queria transmitir com isso, mas não a ponto de realmente torcer pelo casal. Agora em "Orgulho e paixão" esse problema não existe. A canalhice de Willoughby ( na novela recebe a alcunha de Uirapuru) é mais escancarada e o Coronel Brandon ganhou um plot mais interessante. Coronel Brandão é um homem sério e certinho, mas também tem o alter-ego de Motoqueiro Vermelho, um justiceiro mascarado. O que tornou o personagem mais interessante para Mariana e de quebra para essa telespectadora, também.
Ema Calvacante, a casamenteira, tem uma personalidade um pouco mais dócil e menos arrogante que Emma Woodhouse e o plot das duas são bem diferentes. Até o par romântico dela foi trocado, no original Emma ficaria com um amigo íntimo da família que no caso seria Jorge interpretado por Murilo Rosa, mas em "Orgulho e paixão" ela ficou com Ernesto, um personagem que não existe na obra de Jane Austen.
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Cecília (Anaju Dorigon) é "assombrada" pelas armações de Fani |
Cecília também tem um plot bem diferente do de Catherine, mas compartilha da curiosidade, imaginação e paixão por livros da personagem de “A abadia de Northanger “. Mas enquanto Catherine se enche de suposições irreais influenciada pelas suas leituras durante sua estadia na abadia, Cecilia chega a ser realmente "assombrada". A personagem acredita ser assombrada pela sua falecida sogra, mas na verdade é vítima de armações de Fani, a governanta da casa. Cecília, na minha opinião, roubou a cena. Ela é minha personagem favorita de “Orgulho e paixão “ .
Leia também: Resenha de A abadia de Northanger da Jane Austen
Por último, Elizabeth ou melhor dizendo Elizabeta Benedito. Nossa heroína é mais independente e arrogante que a personagem original, e ofereceu bem menos resistência a aproximação de Mr.Darcy que a srta.Bennet. Em muitos momentos achei que Elizabeta parecia mais com Jo Marsh de “Mulherzinhas “ do que Elizabeth Bennet… o que não chega a ser algo tão revoltante pois acho essas duas personagens um pouco parecidas.
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Natalia Dill e Tiago Lacerda como Darcy e Elizabeta. |
Achei interessante que alguns personagens ou elementos acabaram representando personagens de duas obras diferentes, o exemplo mais óbvio é o caso de Uirapuru, que representa tanto o mau-caráter Wickham de “Orgulho e preconceito “ e o galanteador Willoughby de “Razão e sensibilidade” . E a “Mansão do Parque “ que ao mesmo tempo virou a propriedade onde Fanny é agregada e que mexe com a imaginação fértil de Cecília.
Ernesto é um personagem que acaba se envolvendo com Ema, no livro "Emma" o personagem não existe, mas ele também representa um dos irmãos de Fanny Price de "Mansfield Park" e de certa forma também pode ter algo haver com "Orgulho e preconceito ", no livro um parente de Darcy se interessa por Elizabeth, Ernesto mesmo não tendo nenhum parentesco ou laço forte com Darcy acaba fazendo esse papel.(Inclusive achei que ele tinha mais química com a Natália Dill que o Tiago Lacerda)
Um personagem que achei que iria fazer falta, mas a adaptação provou que estava errada, era o Mr.Collins, mas de certa forma a bajulação que era uma das características marcante do personagem existia em Petulia e algumas vezes em Suzana. E a cena icônica de seu pedido de casamento foi mudada de contexto, mas mesmo assim aconteceu.
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Elenco de "Orgulho e paixão " |
O que achei de Orgulho e paixão
Eu realmente gostei deste folhetim, o texto de Marcos Bernstein aproveitou toda a comicidade que existe nas obras de Jane Austen, sem tornar extremamente caricato. As tramas originais foram bem construídas e nos brindou com um texto belíssimo e lírico. Foi uma novela boa em termos gerais.
Não faria nenhuma alteração no elenco, achei as escolhas certeiras. Pamela Tomé é a Jane perfeita, não consigo imaginar outra pessoa ocupando este papel.
O ponto negativo para mim foi realmente não ter comprado o casal Elizabeta e Darcy, apesar de ter um respeito ao texto de Jane Austen na novela, a construção da relação dos dois foi bem diferente. Talvez por isso o casal não conseguiu me conquistar no mesmo nível que Elizabeth e Darcy em "Orgulho e preconceito ".
Eu assisti a novela com uma pessoa que teve pouco contato com a obra de Jane Austen ( o contato dela foi assistir o começo do filme "Orgulho e preconceito" de 2005 e me deixar sozinha na sala porque estava ficando entediada) e ela também compartilha da minha opinião que os outros casais formados eram mais interessantes que eles, mas isso não quer dizer que seja um casal que não de para torcer pelo final feliz
Indico "Orgulho e paixão" para todos os amantes de Jane Austen, mas não espere nada muito fidigno a obra original, encare como uma homenagem ao trabalho dela misturado com um bom tempero brasileiro e um toque de conto de fadas.
Além de Jane Austen, a novela acaba homenageando a obra de Alexandre Dumas e vários poetas brasileiros.
Vale a pena assistir a novela que está disponível na Globoplay.
Marcos Bernstein tambem é roteirista de "Central do Brasil", "Faroeste Caboclo" e a novela "Além do horizonte " .
No currículo ainda tem "Meu pé de laranja lima".